quarta-feira, 19 de agosto de 2009

o amor é um cão do inferno - Charles Bukowski


pelas avenidas
as pessoas sofrem;
elas sofrem a dormir, elas acordam
a sofrer;
até os edifícios sofrem,
as pontes
as flores sofrem
e não há salvação –
o sofrimento senta-se
o sofrimento paira
o sofrimento espera
o sofrimento é.

não perguntem por que há
bêbados
drogados
suicidas

a música é má
e o amor
e o argumento:

agora este lugar
enquanto escrevo isto

ou enquanto lês isto:
agora é o teu lugar.
versão de manuel a. domingos às 22:57
*
Um poema de amor

todas as mulheres
todos os seus beijos as
diferentes maneiras de amar e
falar e exigir.

as suas orelhas todas têm
orelhas e
gargantas e vestidos
e sapatos e
automóveis e ex-
-maridos.

a maioria
das mulheres é muito
quente e lembram-me torradas
com manteiga enquanto a manteiga
se derrete
no meio.

há um certo olhar no
olhar delas: elas já foram
possuídas elas já foram
enganadas. na realidade não sei o que
fazer por
elas.

sou
uma boa picha um bom
ouvinte
mas nunca aprendi a
dançar – estava ocupado
com coisas maiores.

mas gostei das diferentes
camas
fumar cigarros
olhar para os
tectos. não era possessivo nem
injusto. Somente
um estudante.

eu sei que todas têm
pezinhos e vão descalças pelo chão enquanto
lhes vejo os tímidos cus no
escuro. sei que gostam de mim, algumas até
me amam
mas eu amo muito
poucas.

algumas dão-me laranjas e vitaminas;
outras falam baixinho da
infância dos pais e das
paisagens; algumas são quase
loucas mas nenhuma delas é sem qualquer
motivo; algumas amam
bem, outras nem por
isso; a melhor na cama nem sempre é
a melhor noutras
situações; cada uma tem o seu limite como eu
tenho os meus limites e todos
aprendemos isso
rapidamente.

todas as mulheres todas as
mulheres todos os
quartos
tapetes e
fotografias e
cortinados, é
parecido como uma igreja
só que às vezes ouvem-se
risos.

as orelhas os
braços os
cotovelos os olhos
que procuram, a ternura e
a espera eu fiquei
preso eu fiquei
preso.
versão de manuel a. domingos às 22:45
montanhas mongóis brilham na luz
montanhas mongóis brilham na luz,
ouço o pulsar do sol,
o tigre é o mesmo para todos nós
e alto oh
bem alto no ramo
o rouxinol
canta.
versão de manuel a. domingos às 10:24
*
não se aprende nada com os clássicos
não durmo
há 3 noites
e 3 dias
e os meus olhos estão mais
vermelhos do que brancos;
rio-me ao
espelho,
e estive a ouvir
o tic-tac
do relógio
e o gás
do meu aquecedor
tem um cheiro
quente
e pesado, junto
com o som
dos carros,
carros presos
como ornamentos
à minha cabeça, mas
eu li
os clássicos
e no meu sofá
está uma puta
encharcada em vinho
que ouviu pela
primeira vez
a 9ª de Beethoven,
e educadamente
adormeceu
aborrecida.

pensa, meu velho, disse-me ela,
com a tua inteligência
ainda és capaz de ser o primeiro homem
a acasalar
na lua.
versão de manuel a. domingos às 10:22


adeus

adeus Hemingway adeus Céline (morrestes no mesmo dia)
adeus Saroyan adeus meu bom Henry Miller adeusTennessee
Williams adeus cães mortos nas auto-estradas adeus todo o
amor que nunca foi adeus Ezra é triste é sempre triste quando
alguém dá e depois alguém tira eu compreendo
eu compreendo e dou-te o meu carro e o meu isqueiro
e o meu cálice de prata e o telhado que afasta
a maior parte da chuva adeus Hemigway adeus Céline adeus
Saroyan adeus meu bom Henry Miller adeus Camus adeus Gorky
adeus equilibrista que cais enquanto rostos sem expressão
olham para cima depois para baixo e depois afastam a cara
zanguem-se com o sol, disse Jeffers, adeus Jeffers, eu só posso pensar
que a morte de gente boa e de gente má é igualmente triste
adeus D.H. Lawrence adeus à raposa dos meus sonhos e
ao telefone
foi mais difícil do que esperava
adeus Two Ton Tony adeus Flying Circus
fizeram o suficiente adeus Tennessee minha bicha alcoólica
esta noite estou a beber uma garrafa a mais de vinho
à tua saúde.
versão de manuel a. domingos às 19:20

depois de ler a imortal literatura do mundo

as crianças nas escolas
fecham ferozmente
os seus pesados
livros

e correm
sempre contentes
para o
pátio

ou

ainda mais
alarmante –

para as
suas
horríveis
casas.

não há nada mais
deprimente
do que
a imortalidade.
versão de manuel a. domingos às 19:01

o início

quando as mulheres deixarem
de levar espelhos
para todos os lados
talvez nessa altura
elas possam falar comigo
sobre
libertação.
versão de manuel a. domingos às 18:54

jogo do empurra


na verdade uma das coisas mais
terríveis é
estar na cama
noite após noite
com uma mulher que já não
queres comer.

elas envelhecem, deixam de ser
bonitas – elas até começam
a ressonar, a perder
sentido de humor.

às vezes, na cama, viraste para um lado,
os teus pés tocam os dela –
meu Deus, que horror! –
e a noite lá fora
para lá das cortinas
selando-vos aos dois
no
túmulo.

e de manhã vão à
casa de banho, cruzam-se no corredor, falam,
dizem coisas sem importância; fritam-se ovos, arrancam
motores.

mas vendo bem as coisas
estão 2 estranhos
a enfardar torradas
a queimar a cabeça entorpecida e as tripas com
café.

é assim em 10 milhões de casas
por toda a América –
vidas fora de prazo impelidas umas contra
as outras
e sem hipótese de
fuga.

tu entras no carro
e conduzes até ao trabalho
e lá há mais estranhos, a maioria deles
esposas e maridos de
alguém, e para além do sufoco do trabalho, eles
engatam e riem e apalpam, às vezes tentam
uma queca rápida algures –
não pode ser em casa –
e depois
conduzem de regresso a casa
e esperam pelo Natal ou pelo Dia do Trabalhador ou
pelo Domingo ou
por algo.
versão de manuel a. domingos às 11:00
minha


Ela repousa como uma coisa
Eu consigo sentir o grande e vasto vazio
da sua cabeça.
Mas ela está viva. Ela geme e
coça o nariz e
puxa o cobertor.
Em breve irei beijá-la boa noite
e iremos dormir.
e lá longe fica a Escócia
e debaixo de terra as
toupeiras correm.
Ouço motores na noite
e pelo céu uma mão
branca acena:
boa noite, amor, boa noite.
versão de manuel a. domingos às 12:54
certas coisas


certas coisas que nós suportamos
não nos dizem respeito,
e nós lidamos com elas
devido ao tédio ou ao medo ou ao dinheiro
ou à pouca inteligência;
a nossa vontade e a nossa esperança
cada vez mais pequenas,
tão pequenas que nem as suportamos,
nós agarramo-nos ao Ideal
mas perdemos o Rumo:
muita parra e pouca uva,
e vemos nomes que antes significavam sabedoria,
como sinais em cidades fantasma,
onde só as campas são reais.
versão de manuel a. domingos às 12:53
caixote do lixo


um cheiro intenso a fraqueza e crueldade
que fazemos com tudo isto?
as entranhas no caixote…
junto às latas de cerveja
aninhadas como um gato;
a vida não consegue ser menos ridícula
que a chuva
e enquanto apanho o elevador
para o 3º
passo pelo sr. Silva
junto à entrada
pálido como um morto
mas a andar por aí
a comprar doces e porcarias
e a enviar cartões de Natal;
e ao abrir a porta do meu quarto
uma luz suja turva-me a vista
garrafas caem
e uma voz diz
por que razão são os teus poemas
tão pessoais?
versão de manuel a. domingos às 12:51
os tubarões


os tubarões batem à minha porta
e entram e pedem favores;
a maneira como eles se sentam nas cadeiras
olhando em redor,
e pedem seja o que for:
lume, ar, dinheiro,
tudo o que conseguem –
cerveja, cigarros, cinquenta cêntimos, um euro,
cinco, dez,
tudo isto como se a minha sobrevivência estivesse assegurada,
como se o meu tempo não valesse nada
e a presença deles sim.

bem, todos nós temos os nossos tubarões, tenho a certeza,
e só há uma maneira de nos livrarmos deles
antes que nos mordam e comam até à morte –
deixar de os alimentar; eles encontrarão
alguém; tu alimentaste-os
das últimas doze vezes –
agora é tempo de voltarem
ao mar.
versão de manuel a. domingos às 10:57
e a luas e as estrelas e o mundo:


longas caminhadas à
noite –
isso é que é bom
para a
alma:
espreitar pelas janelas
ver mulheres casadas
cansadas
a tentar enxotar
os seus loucos
e bêbados
maridos.
versão de manuel a. domingos às 10:57
gelo para as águias


Estou sempre a lembrar-me dos cavalos
sob o luar
Estou sempre a lembrar-me de dar aos cavalos
açúcar
pequenos cubos de açúcar
parecidos com gelo,
e eles tinham cabeças como
águias
cabeças lisas que podiam morder
mas não mordiam.

Os cavalos eram mais reais do que
o meu pai
mais reais do que Deus
e eles podiam ter pisado os meus
pés mas não fizeram
podiam ter feito toda a espécie de horrores
mas não fizeram.

Eu tinha quase 5
mas ainda não me esqueci:
ó meu deus eles eram grandes e bons
com aquelas húmidas línguas vermelhas
a saírem da alma.
versão de manuel a. domingos às 10:56

um poema é uma cidade

um poema é uma cidade cheia de ruas e pregões
cheia de santos, heróis, pedintes, loucos,
cheia de banalidade e bebida,
cheia de chuva e trovões e períodos de
seca, um poema é uma cidade em guerra,
um poema é uma cidade a perguntar ao tempo porquê,
um poema é uma cidade a arder,
um poema é uma cidade cercada
com os barbeiros cheios de bêbados cínicos,
um poema é uma cidade onde Deus anda nu
pelas ruas como Lady Godiva,
onde cães ladram durante a noite, e afugentam
a bandeira; um poema é uma cidade de poetas,
muitos deles iguais uns aos outros
e invejosos e amargurados…
um poema é esta cidade agora,
a 50km de lugar nenhum,
às 9:09 da manhã,
o sabor a bebida e cigarros,
sem policia, sem amantes a passear pelas ruas,
este poema, esta cidade, a fechar as suas portas,
barricando-se, quase vazia,
de luto mas sem lágrimas, a envelhecer sem remédio,
as montanhas rochosas,
o oceano como uma magnólia a arder,
a lua sem qualquer grandeza,
a música de janelas partidas…

um poema é uma cidade, um poema é uma nação,
um poema é o mundo…

e agora entrego isto à lupa do editor
para a sua apreciação,
e a noite está noutro lugar
e mulheres deprimidas permanecem em fila,
cães seguem cães até ao estuário,
e sirenes anunciam navios
enquanto homens impacientam-se com coisas
que não conseguem fazer.
versão de manuel a. domingos às 10:53

como ser um grande escritor


tens que foder muitas mulheres
mulheres bonitas
e escrever alguns bons poemas de amor.

e não tens que te preocupar com a idade
e/ou novos talentos.

apenas bebe mais cerveja
mais e mais cerveja

e vai às corridas pelo menos uma vez
por semana

e vence
se possível.

aprender a vencer é difícil –
qualquer imbecil pode ser um bom perdedor.

e não te esqueças de Brahams
nem de Bach nem
da cerveja.

não faças exercício a mais.

dorme até ao meio-dia.

evita cartões de crédito
ou pagar seja o que for a
tempo e horas.

lembra-te que não há nenhum cu
no mundo que valha mais de $50
(em 1977).

e se tens a capacidade de amar
ama-te primeiro
mas nunca te esqueças da possibilidade de
derrota total
mesmo que a razão para a derrota
seja justa ou injusta –

sentir cedo o bafo da morte não é
assim tão mau.

afasta-te das igrejas e bares e museus,
e como a aranha sê
paciente –
o tempo é a nossa cruz,
mais o exílio
a derrota
a traição

tudo isso.

sê fiel à cerveja.

uma amante constante.

arranja uma grande máquina-de-escrever
e enquanto ouves os passos para cima e para baixo
lá fora

martela a coisa
martela com força

transforma-a num combate de pesos-pesados

transforma-a no touro na sua primeira investida

e lembra os velhos sacanas
que tão bem lutaram:
Hemingway, Céline, Dostoievsky, Hamsun.

se pensas que eles não enlouqueceram
em pequenos quartos
tal como tu agora

sem mulheres
sem comida
sem esperança

então não estás preparado.

bebe mais cerveja.
há tempo.
e se não houver
está tudo bem
na mesma.
versão de manuel a. domingos às 12:58

raparigas serenas e meigas em vestidos de linho


tudo o que conheço são putas, ex-protitutas,
loucas. eu vejo outros com mulheres,
serenas e meigas – eu vejo-os nos supermercados,
a caminharem juntos pelas ruas,
nos apartamentos: pessoas em
paz, a viver juntos. eu sei que a paz
deles é limitada, mas há
paz, muitas horas e dias de paz.

todas aquelas que conheço são viciadas em comprimidos, alcoólicas,
putas, ex-prostitutas, loucas.

quando uma parte
há outra que chega
pior que a anterior.

eu vejo tantos homens com raparigas serenas e meigas
em vestidos de linho
raparigas com rostos que não são traiçoeiros ou
predatórios.

“nunca tragam uma puta”, digo aos meus
poucos amigos, “ainda me apaixono por ela”.

“tu não suportarias uma mulher meiga, Bukowski.”

eu preciso duma mulher meiga. preciso duma
mais do que preciso desta máquina-de-escrever, mais do que
o meu carro, mais do que
Mozart; eu preciso tanto duma mulher assim que
consigo senti-la no ar, consigo senti-la
na ponta dos dedos, consigo ver passeios construídos
de propósito para ela por eles caminhar,
consigo ver almofadas para a sua cabeça,
consigo sentir o meu sorriso enquanto a espero,
consigo vê-la a fazer festas a um gato,
consigo vê-la a dormir,
consigo ver os chinelos dela ali no chão.

eu sei que ela existe
mas onde está ela
enquanto as putas continuam a encontrar-me?
versão de manuel a. domingos às 12:17

uma das melhores


ela usava uma peruca prateada
a cara estava cheia de base e rouge
e tinha abusado no batôn
os lábios demasiado pintados
e o seu pescoço era enrugado
mas ainda tinha o cu de uma jovem rapariga
e as pernas eram boas.
tirei-lhe as cuecas azuis que usava
subi-lhe o vestido, e com a televisão ligada
tomei-a de pé
enquanto lutávamos pelo quarto
(estou a foder a morte, pensei, estou
a ressuscitar os mortos, maravilhoso
tão maravilhoso
como comer azeitonas às 3 da manhã
com a cidade a arder)
vim-me.

vocês os jovens podem ficar com as vossas virgens
dêem-me antes mulheres maduras e quentes de salto alto
com cus que se esqueceram de envelhecer.

é claro que depois tu vais embora
ou embebedas-te
o que é a mesma
coisa.

bebemos vinho durante horas e vimos televisão
e quando fomos para a cama
dormir para esquecer
ela deixou os dentes postos
toda a noite.
versão de manuel a. domingos às 12:15

o sítio nem era mau de todo

ela tinha umas boas ancas
e umas boas gargalhadas
ela ria-se de tudo
e as cortinas eram amarelas
e eu acabei
saí de cima
e antes dela ir à casa de banho
procurou debaixo da cama e atirou-me
um velho trapo.
estava duro
teso com o esperma
de outros homens.
limpei-me aos lençóis.

quando regressou
e se curvou
vi todo aquele traseiro
e pôs Mozart
a tocar.
versão de manuel a. domingos às 21:59

se ensinasse escrita criativa, perguntou-me, o que lhes diria?

diria para terem um desgosto amoroso,
hemorróidas, dentes podres
beberem vinho barato,
evitar a ópera e o golfe e o xadrez,
mudarem a cabeça da cama
de parede para parede
e depois diria para terem
outro desgosto amoroso
e para nunca usarem computador
portátil,
evitarem almoços em família
ou serem fotografados num jardim
com flores;
para lerem Hemingway só uma vez,
passarem por Faulkner
ignorarem Gogol
verem fotografias da Getrude Stein
e lerem Sherwood Anderson na cama
enquanto comem bolachas de água e sal,
perceberem que as pessoas que falam de
liberdade sexual tem mais medo do que vocês.
para ouvirem E. Power Biggs a tocar
órgão na rádio enquanto enrolam
um Bull Durham às escuras
numa cidade desconhecida
com um dia para pagar a renda
depois de abandonar
amigos, família e trabalho.
para nunca se considerarem superiores e/
ou justos
e nunca tentar ser.
para terem outro desgosto amoroso.
observarem uma mosca no verão.
nunca tentar ter sucesso.
nunca jogar bilhar.
para se mostrarem verdadeiramente furiosos
quando descobrirem que têm um pneu furado.
tomarem vitaminas mas nunca fazer exercício físico.

depois disto tudo
inverter o processo.
ter um bom caso amoroso.
e aprender
que não há nada nem ninguém a saber tudo –
nem o Estado, nem os ratos
nem a mangueira do jardim nem a Estrela Polar.
e se algum dia me apanharem
a dar uma aula de escrita criativa
e lerem isto
eu dou-vos um 20
pelo cu
acima.
versão de manuel a. domingos às 17:27

raparigas a chegar a casa

as raparigas chegam a casa nos seus carros
e eu sento-me à janela e
observo.

há uma rapariga num vestido vermelho
a conduzir um carro branco
há uma rapariga num vestido azul
a conduzir um carro azul
há uma rapariga num vestido rosa
a conduzir um carro vermelho.

quando a rapariga do vestido vermelho
sai do carro branco
vejo-lhe as pernas

quando a rapariga do vestido azul
sai do carro azul
vejo-lhe as pernas
quando a rapariga do vestido rosa
sai do carro vermelho
vejo-lhe as pernas

a rapariga do vestido vermelho
que saiu do carro branco
tinha as melhores pernas

a rapariga do vestido rosa
que saiu do carro vermelho
tinha pernas assim-assim

mas não me esqueço da rapariga do vestido azul
que saiu do carro azul

vi-lhe as cuecas

ninguém imagina o agradável que pode ser
a vida por aqui
às 5:35 da tarde.
versão de manuel a. domingos às 15:17

um poema cruel


eles continuam a escrever
a despejar poemas –
jovens rapazes e professores universitários
mulheres que bebem vinho toda a tarde
enquanto os maridos trabalham,
eles continuam a escrever
com os mesmos nomes nas mesmas revistas
cada ano a escreverem pior,
publicam colectâneas de poesia
e despejam mais poemas
parece um concurso
é um concurso
mas o prémio é invisível.

eles não escrevem nem contos nem ensaios
nem romances
apenas
despejam poemas
todos parecidos com os dos outros
e cada vez menos originais,
e alguns dos rapazes cansam-se e desistem
mas os professores nunca desistem
e as mulheres que bebem vinho toda a tarde
nunca, mas mesmo nunca, desistem
e chegam outros rapazes com novas revistas
e há troca de cartas entre poetas e poetisas
alguns chegam a foder
e tudo é exagerado e aborrecido.

quando os poemas saem
eles reescrevem-nos
e enviam-nos para a próxima revista na lista,
e fazem leituras
todas as que conseguem fazer
a maior parte de borla
na esperança que alguém repare neles
que alguém os aplauda
lhes reconheça o talento
os felicite
eles estão convencidos da sua genialidade
há muito poucas dúvidas,
e muitos vivem no Grande Porto ou Grande Lisboa,
e as suas caras são como os poemas que escrevem:
semelhantes,
e conhecem-se uns aos outros e
reúnem e odeiam e admiram e escolhem e expulsam
e continuam a despejar mais poemas
mais e mais poemas
mais e mais poemas
o concurso dos pasmados:
tap tap tap, tap tap, tap tap tap, tap tap…
versão de manuel a. domingos às 12:36

eu

as mulheres não sabem amar,
disse-me ela.
tu sabes amar
mas as mulheres só querem
aproveitar-se.
eu sei isso porque sou uma
mulher.

hahaha, ri-me.

não te preocupes por teres acabado
com a Susan
porque ela só vai aproveitar-se de
outro.

falámos mais um pouco
depois eu disse adeus
desliguei
fui até à cagadeira e
dei uma boa cagadela
enquanto pensava, bem,
ainda estou vivo
e tenho a capacidade de deitar fora
o lixo do meu corpo.
e poemas.
e enquanto isso acontecer
tenho a capacidade de lidar com
traição
solidão
cutículas
gonorreia
e com os relatórios financeiros das
páginas de economia.

depois
levantei-me
limpei-me
despejei o autoclismo
e pensei:
é verdade:
eu sei como
amar.

puxei as calças para cima e fui
para a sala.
versão de manuel a. domingos às 11:33

os justos já herdaram

se sofro nas mãos
desta máquina de escrever
imaginem como iria sentir-me
entre os apanhadores
de alface em Salinas?

penso nos homens
que conheci em
fábricas
sem possibilidade
de fuga –
a sufocar enquanto vivem
a sufocar enquanto riem
com Bob Hope e Lucille
Ball enquanto
2 ou 3 crianças atiram
bolas de ténis contra
as paredes.

alguns suicídios ficam por
registar.
versão de manuel a. domingos às 11:22

e saberemos o que são as ilhas e o mar

eu sei que em breve
numa noite
em algum quarto
os meus dedos
tocarão
num suave
lindo
cabelo

músicas que nenhuma rádio
alguma vez passou

todas elas tristeza, arrastadas
pela corrente.
versão de manuel a. domingos às 11:18

cão

um cão
a andar sozinho pelo passeio num quente
verão
parece ter o poder
de dez mil deuses.

porquê?
versão de manuel a. domingos às 22:41

tu

tu és um animal, disse ela
com essa barriga grande e branca
e esses pés peludos.
nunca cortas as unhas
e tens mãos gordas
patas como um gato
com esse nariz brilhante e vermelho
e os maiores tomates
que alguma vez vi.
disparas esperma como uma
baleia dispara água daquele
buraco nas costas.

animal animal animal,
ela beijava-me,
o que queres para o
pequeno-almoço?
versão de manuel a. domingos às 22:29

doce música

é melhor que o amor pois não há
feridas: pela manhã
ela liga o rádio, Brahms ou Ives
ou Stravinsky ou Mozart. coze os
ovos e conta os segundos em voz alta: 56,
57, 58… descasca os ovos, e trá-los
à cama. depois do pequeno-almoço é
a mesma cadeira e ouvir músi-
ca clássica. ela vai no primeiro copo de
uísque e no terceiro cigarro. digo-lhe
tenho que ir às corridas. ela
está aqui há 2 noites e 2 dias. “quando
te poderei ver outra vez?” pergunto. ela
diz que depende de mim. eu
aceno com a cabeça e Mozart toca.
versão de manuel a. domingos às 22:08

alguns pensamentos pessoais

eles têm razão: talvez tenha sido demasiado fácil escrever sobre mim e cavalos e bebida, mas também não estou a tentar provar alguma coisa. ultimamente tem sido agradável fazer longos passeios embora o meu desejo por mulheres continue, penso que não tenho que estar sempre alerta para novas conquistas. andar sempre no mesmo não tem que ser aborrecido. deixa que as jovens fêmeas preocupem outros homens. muitas vezes sinto-me melhor sozinho. agora considero as pessoas mais agradáveis do que desagradáveis (estarei a fraquejar?) e embora ainda tenha noites e dias deprimentes a máquina de escrever nunca me falha. os leitores esperam que os seus poetas melhorem sempre mas com esta idade aguentar (a tenta em pé, haha) é um milagre. passeios longos, sim. e a capacidade de não me preocupar – às vezes – enquanto a nossa sociedade implode e luta não significa que sou uma vitima da arte. noites sozinho por trás das cortinas, sem ser rico ou pobre, pode ser satisfatório. chegará a loucura a horas? não sei e não procuro a resposta – só um pequeno lugar entre não saber, não querer saber e, finalmente, saber.
versão de manuel a. domingos às 17:58

esta máquina é uma fonte

o meu sistema é sempre o mesmo:
vai com calma
escreve um grande número de
poemas
com todo o teu
coração aberto e
não te preocupes com
os piores
de todos.

continua
continua sempre
quente
esquece a imortalidade
se é que algum vez
te lembras
dela.

o som desta máquina é
bom.

quanto mais papel
mais desejo.

continua
a martelar à vontade e espera pela
sorte.

que
pechincha.
versão de manuel a. domingos às 17:35
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Charles Bukowski



Breve Biografia
Charles Bukowski (1920-1994) nasceu na Alemanha em 1920. Aos três anos foi viver para os EUA, tendo residido 15 anos em Los Angeles. Estudou literatura e jornalismo. Começou a escrever muito cedo e publicou os seus primeiros contos em 1944. Apenas terá começado a escrever poesia quando já tinha 35 anos. Trabalhou em bares, nos correios, estações de serviço, levando uma vida boémia à base de álcool, mulheres, apostas em corridas de cavalos e lutas de boxe. Foi várias vezes hospitalizado, devido a problemas relacionados com o consumo excessivo de álcool. De personalidade inconformada e iconoclasta, Bukowski nunca se deixou associar a qualquer movimento literário. Completamente independente, foi construindo uma obra com cerca de 40 títulos publicados. O seu primeiro livro de poesia data de 1959. Na sua campa, deixou o aviso: «Don't Try!»

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