domingo, 27 de dezembro de 2009

Ceia de natal



Estamos sentados à mesa
três de um lado

homens no topo
do outro o pai a mãe e as crianças
enquanto a lareira arde
o silêncio é o meu segredo
sei que estamos todos longe de casa
 
na hora da verdade é preciso muito pouca coisa

maria azenha

as formigas- Gagan Gill

Formigas



As formigas não encontram o seu caminho para casa.

Caminham, traçando linhas entre o nosso sono e os nossos corpos.
A sua farinha invisível continua espalhada na sua memória,
espalhada noutro espaço e tempo. Elas continuam a ir de um fim
da terra a outro em busca dela. Afundam os seus dentes
em todas as coisas vivas e mortas. As tristezas da terra crescem
de modo tão leve com a sua demanda que as direcções
começam a rodopiar em grande confusão. Os
pólos começam a mudar de lugar. Mas ninguém
conhece a tristeza das formigas.

Há muito tempo atrás talvez tenham sido mulheres.

Gagan Gill (Índia,1959)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Tu Fu

LAMENTO PELA MINHA CABANA DESTRUÍDA PELO VENTO DE OUTONO – Tu Fu


No oitavo mês, em pleno outono, o vento ruge, colérico,
E leva num turbilhão as três camadas de palha da minha cabana.
O colmo voa, atravessa o rio, espalha-se pela ribanceira.
O que voa alto fica suspenso nos ramos da grande floresta,
o que voa baixo cai vai girando cair nas ravinas.
As crianças da aldeia do sul riem-se da fraqueza da minha velhice:
têm a audácia de me roubar às claras:
abertamente arrancam o colmo e fogem por entre os bambus.
Grito até ficar com a boca seca: não adianta nada.
Volto para casa, suspiro, apoiado ao meu bastão.
O vento cessa bruscamente, mas as nuvens continuam negras,
o céu de outono é silencioso e escurece com o vir da tarde.
Os lençóis e cobertas são velhos, frios como ferro,
as crianças, sensíveis, com repugnância, rasgaram-nos a pontapés.
Todos os leitos do aposento são úmidos: não há um lugar seco,
sinto cãibras nas pernas, não as poso entender.
Aflijo-me, lamento-me, durmo um pouco,
a noite é longa e úmida, como a poderei passar?
Quem pudesse construir um vasto edifício com milhares de peças,
imenso, que protegesse todos os que têm frio no mundo,
deixado-os de rosto feliz!
O vento e a chuva não o poderiam destruir: seria sólido como uma rocha.
Ai de mim, quando chegará o momento de ver de repente essa casa aparecer
diante dos meus olhos?
Minha cabana desmoronou-se. Aqui vou morrer do frio que entra. E tudo estará bem.


Tradução de Cecília Meireles

beber água

Mesmos os animais sentem quando nos aproximamos deles com afeto, com amor, com alegria de vê-lo, de encontrá-lo. LUNDRP TASHI

Tratamento de beber água com estômago vazio. (O ideal é água fervida por muitos minutos)
Hoje é muito popular no Japão beber água imediatamente ao acordar. Além disso, a evidência científica tem demonstrado estes valores. Abaixo divulgamos uma descrição da utilização da água para os nossos leitores.
Para doenças antigas e modernas, este tratamento com água tem sido muito bem sucedido.
Para a sociedade médica japonesa, uma cura de até 100% para as seguintes doenças:
Dores de cabeça, dores no corpo, problemas cardíacos, artrite, taquicardia, epilepsia, excesso de gordura, bronquite, asma, tuberculose, meningite, problemas do aparelho urinário e doenças renais, vómitos, gastrite, diarreia, diabetes, hemorróidas, todas as doenças oculares, obstipação, útero, cancro e distúrbios menstruais, doenças de ouvido, nariz e garganta.
Método de tratamento:
1. De manhã e antes de escovar os dentes, beber 2 copos de água.
2. Escovar os dentes, mas não comer ou beber nada durante 15 minutos.
3. Após 15 minutos, pode comer e beber normalmente.
4. Depois do lanche, almoço e jantar não se deve comer ou beber nada durante 2 horas.
5. Pessoas idosas ou doentes que não podem beber 2 copos de água, no início podem começar por tomar um copo de água e aumentar gradualmente.
6. O método de tratamento cura os doentes e permite aos outros desfrutar de uma vida mais saudável.
A lista que se segue apresenta o número de dias de tratamento que requer a cura das principais doenças:
1. Pressão Alta - 30 dias
2. Gastrite - 10 dias
3. Diabetes - 30 dias
4. Obstipação - 10 dias
5. Câncer - 180 dias
6. Tuberculose - 90 dias
7. Os doentes com artrite devem continuar o tratamento por apenas 3 dias na primeira semana e, desde a segunda semana, diariamente.
Este método de tratamento não tem efeitos secundários. No entanto, no início do tratamento terá de urinar frequentemente.
É melhor continuarmos o tratamento mesmo depois da cura, porque este procedimento funciona como uma rotina nas nossas vidas. Beber água é saudável e dá energia. Isto faz sentido: o chinês e o japonês bebem líquidos quentes com as refeições, e não água fria.
Talvez tenha chegado o momento de mudar seus hábitos de água fria para água quente, enquanto se come. Nada a perder, tudo a ganhar ...!

Para quem gosta de beber água fria.

Beber um copo de água fria ou uma bebida fria após a refeição solidifica o alimento gorduroso que acabou de comer. Isso retarda a digestão.
Uma vez que essa 'mistura' reage com o ácido digestivo, ela reparte-se e é absorvida mais rapidamente, do que o alimento sólido para o trato gastrointestinal. Isto retarda a digestão, fazendo acumular gordura em nosso onanismo e danifica o intestino.
É melhor tomar água morna, ou se tiver dificuldade, pelo menos água natural.

Juan Gelman (Buenos Aires, 3 de maio de 1930). Poeta, jornalista e tradutor. Prêmio Cervantes de 2007

chuva

hoje chove muito, muito,
e parece que estão lavando o mundo.
meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor/
uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele/
e parece sua sombra/
meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher/
entra em casa pela janela e não pela porta/
por uma porta se entra em muitos lugares/
no trabalho, no quartel, no cárcere,
em todos os edifícios do mundo/
mas não no mundo/
nem numa mulher/ nem na alma
quer dizer/nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim/
como hoje/que chove muito/
e me custa escrever a palavra amor/
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa/
e somente a alma sabe onde os dois se encontram/
e quando/e como/
mas o que pode a alma explicar?/
por isso meu vizinho tem tormentas na boca/
palavras que naufragam/
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que amou/
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá/
como o silêncio que há entre duas rosas/
ou como eu/que escrevo palavras para voltar
ao meu vizinho que contempla a chuva/
à chuva/
ao meu coração desterrado/

Tradução de Leonardo Gonçalves e Andityas Soares de Moura.

Sophia

O Piano sílaba por sílaba
Viaja através do silêncio
Transpõe um por um
Os múltiplos murais do silêncio
Entre luz e penumbra joga
E de terra em terra persegue
A nostalgia até ao seu último reduto

Sophia de Mello Breyner Andresen

Omar Kháyyám, tradução Cecília Meireles

Inútil é que te aflijas:
nada podes acerca do teu destino.
Se és prudente, aproveita o momento atual.
O futuro?
Sabes o que ele te reservará?...

Omar Kháyyám, tradução Cecília Meireles

Fernando Pessoa.Álvaro de Campos

O Dia Deu em Chuvoso

O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efectivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afectos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...

O dia deu em chuvoso.

Fernando Pessoa.Álvaro de Campos

Hans Christian Andersen - 1805-2005


Hans Christian Andersen - 1805-2005

A MENINA DOS FÓSFOROS

Estava muito frio, a neve caía e já estava começando a escurecer. Era a noite do último dia do ano. Uma menina descalça e sem agasalho andava pelas ruas, no frio e no escuro. Quando atravessou correndo para fugir dos carros, a menina perdeu os chinelos que tinham sido da mãe e eram grandes demais. Um ela não achou mais e um garoto levou o outro, dizendo que ia usar como berço quando tivesse um filho.

A menina já estava com os pés roxos de frio. Tinha um pacotinho de fósforos na mão e outro no avental velho. Naquele dia não tinha conseguido vender nada e estava sem um tostão. Com frio e com fome, ela andava pelas ruas morrendo de medo. A neve caía no cabelo cacheado, mas ela não podia pensar nem no cabelo nem no frio. As casas estavam iluminadas e havia por toda parte um cheirinho gostoso de assado de ano novo. Era nisso que ela pensava.

Num cantinho entre duas casas, ela se encolheu toda, mas continuava sentindo muito frio. Voltar para casa, nem pensar: sem dinheiro, sem ter vendido nada, era certo o castigo do pai. Além do mais, a casa deles também era muito fria, sem forro e com o telhado cheio de furos e emendas, por onde o vento entrava assobiando.

Com as mãos geladas, pensou em acender um fósforo. Conseguiu. A chama pequenina parecia uma vela na concha da mão. A menina se imaginou diante de uma lareira enorme com o fogo esquentando tudo e ela também. Mas logo a chama apagou e a lareira sumiu. Ela só ficou com o fósforo queimando na mão.

Acendeu outro que, brilhando, fez a parede ficar transparente. Ela viu a casa por dentro: a mesa posta, a toalha branca, a louça linda. O assado, o recheio, as frutas. Não é que o assado, com o garfo e faca espetados, pulou do prato e veio correndo até onde ela estava?
Mas o fósforo apagou e ela só viu a parede grossa e úmida.

Acendeu mais um fósforo e se viu junto de uma belíssima árvore de Natal. Maior do que uma que tinha visto antes. Velinhas e figuras coloridas enchiam os galhos verdes. A menina esticou o braço e... o fósforo apagou. Mas as velinhas começaram a subir, a subir e ela viu que eram estrelas. Uma virou estrela cadente e riscou o céu.

-Alguém deve ter morrido. A avó - única pessoa que tinha gostado dela de verdade e que já tinha morrido - sempre dizia: "Quando uma estrela caí, é sinal de que uma alma subiu para o céu".

A menina riscou mais um fósforo e, no meio do clarão, viu a avó tão boa e tão carinhosa, contente como nunca.

-Vovó, me leva embora! Sei que você não vai mais estar aqui quando o fósforo apagar. Você vai desaparecer como a lareira, o assado e a árvore de Natal.

E foi acendendo os outros fósforos para que a avó não sumisse. Foi tanta luz que parecia dia. E a avó ali, tão bonita, tão bonita. Pegou a menina no colo e voou com ela para onde não fazia frio e não havia fome nem dor. Foram para junto de Deus.

De manhãzinha, as pessoas viram no canto entre duas casas uma menina corada e sorrindo. Estava morta. Tinha morrido de frio na última noite do ano. Nas mãos, uma caixa de fósforos queimados.

-Ela tentou se esquentar, coitadinha.
Ninguém podia adivinhar tudo o que ela tinha visto, o brilho, a avó, as alegrias de um ano novo.

NO PARAÍSO CAMPESTRE – Dylan Thomas

NO PARAÍSO CAMPESTRE – Dylan Thomas


Sempre que Ele, no paraíso campestre
( A quem meu coração escuta ),
Cruza o peito do Leste glorificado e se ajoelha,
Humilde em todos os seus planetas,
E chora na crista que se humilha,

Então no último refúgio e na alegria das bestas e das aves
E no vale canonizado
Onde tudo canta, o que foi criado e já morreu,
E onde os anjos sussurram como faisões
Através das naves de folhas,

A luz e Suas lágrimas caem juntas como orvalho
( Oh, de mãos dadas )
De seus olhos vazios e do céu enevoado,
Ele proclama o seu sangue, e os sóis
Se dissolvem e escorrem pelos ásperos

Sulcos de seu rosto: o Paraíso é cego e negro.


Tradução de Ivan Junqueira

Adair Carvalhais Júnior

biografia II - família



o velho fusca arrastou estrada
afora minha
mãe meus
irmãos no

caminhão panelas
mamadeiras o
cachorro nosso
mundo inteiro

a casa confundiu se na
poeira

nunca mais senti o cheiro
branco do
limoeiro do
quintal







Aqui http://biografiaadair.blogspot.com/ tem mais

-

Adair Carvalhais Júnior

Carlos eurico da Costa

NESTE dia meu amor
os meus dedos são o candelabro que te ilumina
o único existente.

E o homem
sua esfera perdida em mãos alheias
é o objecto de malabarismo
o insecto
voltejando cega a luz que lhe irradiam
o límpido cristal corrompido
o defunto.

E este patíbulo onde o próprio carrasco se enforcará
eu o digo
será erguido como símbolo de todos os homens.

Aqui a hora vai sendo longínqua meu amor e solene.
O caminho é grande o tempo tão pouco
tenhamos muita esperança e muito ódio
e vítreas flores a ornar o teu cabelo
porque serei o homem para as transportar
e tu a última mulher que as aceitará.

E enquanto assim for
erguer-se-á a nuvem de múltiplas estrelas
a nebulosa
que dizem estar a milhões de anos-luz
mas não acreditemos bem o sabes
porque em verdade a temos em nossas próprias mãos
oculta para a contemplarmos agora.




Carlos Eurico da Costa
in A Única Real Tradição Viva
Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
de Perfecto E. Cuadrado
Assírio & Alvim
1998

PRIMEIRO POEMA APÓS BEIJAR RENATA

Lembro-me da noite. Lembro-me do céu
de poucas estrelas – apenas o vazio,
apenas o fulgurante e trêmulo vazio
soprado pelas nuvens, soprado
contra os rostos, contra os olhos
também nublados por vazio
fulgurante e trêmulo.

Lembro-me do rosto. Lembro-me do riso
que o fazia arder, que o fazia
claro e depois, sobre o rosto, caía
uma sombra de medo, de ternura,
uma sombra de espanto e encantamento
por não saber o que pode nascer – raiz
selvagem! – dentro de um coração
e torná-lo mais vermelho, e torná-lo
mais fácil de sangrar, mais fácil de suportar
as noites fulgurante e trêmulas.

Lembro-me do beijo. Lembro-me do gosto
febril, doce, muito suave.
Lembro-me de ter um rosto junto ao meu
como quem tem, junto ao coração,
uma gaivota em amplo vôo, uma gaivota
que não se perde na noite, uma gaivota
que chega muito próxima do céu
vazio e do céu incandescente –
uma gaivota que retorna, uma gaivota
que ao voltar para o seu rosto e para os seus olhos
torna-se beijo febril, doce, muito suave.

***

Ao poema que se segue foi frequentemente atribuída a autoria de Camões.
Mas não é de Camões...


Com o tempo o prado seco reverdece,
Com o tempo cai a folha ao bosque umbroso,
Com o tempo para o rio caudaloso,
Com o tempo o campo pobre se enriquece,

Com o tempo um louro morre, outro floresce,
Com o tempo um é sereno, outro invernoso,
Com o tempo foge o mal duro e penoso,
Com o tempo torna o bem já quando esquece,

Com o tempo faz mudança a sorte avara,
Com o tempo se aniquila um grande estado,
Com o tempo torna a ser mais eminente.

Com o tempo tudo anda, e tudo pára,
Mas só aquele tempo que é passado
Com o tempo se não faz tempo presente.



ver mais em http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/estaco.htm

Gerhardt Hauptmann

SOMBRA DA VIOLÊNCIA – Gerhardt Hauptmann


Soubesse eu o que em sonho me revelou
O Espírito Eterno
-Ele a quem louvam Terra e Céu –
Quando do mar do tempo
Me lançou a este deserto vermelho,
Abandonado para todo o sempre
A todas as misérias!
Ali fiquei na areia ardente
Sem noção do dia de ontem nem do dia de amanhã!
Desamparado de tudo,
Desapegado de todos,
Tudo o que viam meus olhos
Me era estranho,
Tudo aparência e ilusão.
Uma criatura – seria um homem?
Me encarava na areia abrasada,
Alheado e taciturno,
Frio e insensível.de certo modo me regozijei
Ao ver ali uns feixes
Que pareciam arrumados por mão humana:
Estaria eu perto dos homens?
Mas reconheci num como grito mudo
Que era palha vazia!
Ah, a colheita acabou,
E onde está o trigo?
Meditando como em sonho
Sobre aquela aparição,
Ali quedei na areia ardente,
Em face do corpo mudo, nem homem nem mulher
Na sua silenciosa nudez, paralisado pela morte.
“Vens da parte da Esfinge?” perguntaram não sei donde.
Então, erguendo às cegas a mão
E subitamente inflamado, palpitante:
“Não pergunte ninguém quem eu seja
Nem quem sejas”, falou.
“As perguntas aqui não têm sentido!
A paz das coisas parece mais vazia em torno de nós.
Não te fies das aparências:
Pois já não somos ambos
Senão sombras da violência.”


Gerhardt Hauptmann


tradução de Manuel Bandeira

Gerhardt Hauptmann

SOMBRA DA VIOLÊNCIA – Gerhardt Hauptmann


Soubesse eu o que em sonho me revelou
O Espírito Eterno
-Ele a quem louvam Terra e Céu –
Quando do mar do tempo
Me lançou a este deserto vermelho,
Abandonado para todo o sempre
A todas as misérias!
Ali fiquei na areia ardente
Sem noção do dia de ontem nem do dia de amanhã!
Desamparado de tudo,
Desapegado de todos,
Tudo o que viam meus olhos
Me era estranho,
Tudo aparência e ilusão.
Uma criatura – seria um homem?
Me encarava na areia abrasada,
Alheado e taciturno,
Frio e insensível.de certo modo me regozijei
Ao ver ali uns feixes
Que pareciam arrumados por mão humana:
Estaria eu perto dos homens?
Mas reconheci num como grito mudo
Que era palha vazia!
Ah, a colheita acabou,
E onde está o trigo?
Meditando como em sonho
Sobre aquela aparição,
Ali quedei na areia ardente,
Em face do corpo mudo, nem homem nem mulher
Na sua silenciosa nudez, paralisado pela morte.
“Vens da parte da Esfinge?” perguntaram não sei donde.
Então, erguendo às cegas a mão
E subitamente inflamado, palpitante:
“Não pergunte ninguém quem eu seja
Nem quem sejas”, falou.
“As perguntas aqui não têm sentido!
A paz das coisas parece mais vazia em torno de nós.
Não te fies das aparências:
Pois já não somos ambos
Senão sombras da violência.”


Gerhardt Hauptmann


tradução de Manuel Bandeira

Antonio Gamoneda

A luz ferve-me debaixo das pálpebras.

De um rouxinol absorto na cinza, das suas negras entranhas
musicais, surge uma tempestade. Desce o canto às
antigas celas, advirto látegos com vida

e o olhar imóvel das bestas, a sua agulha fria em meu coração.

Tudo é presságio. A luz é medula de sombra: vão morrer
os insectos nos castiçais do amanhecer. Assim

ardem em mim os significados.

Antonio Gamoneda
tradução: Rui Almeida