domingo, 14 de agosto de 2011

Uma alegria dolorosa


De que nos serve, no sábado à noite, quando a solidão
dos abandonados vem ter connosco à mesa dos cafés,
termos sido aquele a quem se disseram palavras de amor,
terem-nos tocado e olhado, esperado por nós,
enquanto ao longe os automóveis passavam, as pessoas,
apressadas, continuavam a procurar, febris, a felicidade?
Rompem-se as cordas, soam nos rios tristes da memória
os sinos da miséria e da escuridão. E se chove,
a melancolia que nos oprime já não se dilui nessa água suave.
A rapariga que podíamos ter amado, a última,
contempla as folhas verdes das árvores, sorri,
e imagina, sentada ao nosso lado, uma alegria dolorosa,
sem pensar em nós, distraída da densidade baça do nosso olhar.
E à uma da manhã, quando o cansaço vem,
e no espelho da casa de banho de um bar o rosto
se nos revela atormentado, os poros gordurosos,
dirigimo-nos devagar para a saída, dizemos boa-noite,
e é só nossa é a morte secreta, esse abandono.



João Camilo

A Ambição Sublime
Fenda
2001

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