terça-feira, 8 de setembro de 2009

Adriano Botelho de Vasconcelos

9.1 Um cabelo longo com o resto de túmulo aberto numa rua
principal da cidade. O Tiba abriria em cada uma das letras
dos poemas a sua aurora
com tintas há muito afinadas no número de portas
que não se abriram. O sol na taça partida pela lebre agora sobe
o umbral da janela onde a ninfa está perto do meu poema,
descalça e pronta para pedir uma lua
mais aberta que resgatasse o último namorado
que com a cintura tirou um quarto de hotel que sem lâmpadas caiu
do último andar da noite : os polícias vieram à paisana, pretendiam
escrever o melhor romance de um crime que não podiam
testemunhar. Uma noite por este postigo não faz o crime.
Chamem um carcereiro cubano distante da sua terra natal
para dizer se uma utopia tirada de um contentor
pode salvar um país quando Fidel
está acordado sobre o sono
que Lenine prefere passear com duas
algemas.

10. O soba fechou o estádio com todos os teus troféus
que foram recolhidos pelos mesmos três ourives
que os jogaram para dentro do WC onde puderam
desfazer os seus
brilhos. Faço contas do teu ódio através das antiguidades
dos teus terços. Todos os gafanhotos que desceram
com o céu preso em suas asas
conheceram a tua
lavra.

10.1 Fomos para o tapete onde por descuido deixei
uma guarda aberta, não me tinha protegido com cotovelos
e ombros e uma forte razão para não cair no primeiro
assalto. As estrelas que são arrancadas do chão são anéis
da dor mais fina. Tentaste desferir mais um golpe quando
duas mães corriam para o ringue para fazerem de mim o último
dos seus filhos. O árbitro ficou impávido, tinha medo de erguer
as regras e já contava a minha desistência
quando a primeira mãe me disse que corresse pela calçada
onde Deus andou descalço. O soba desceu do camarote forrado
com tapetes vermelhos, parou onde estava o sino, tocou-o
com importância e já diante de ti ordenou que levasses os murros
para lá do tapete manchado de sangue. O árbitro pediu licença
para arrancar uma folha do livro
que os advogados deixaram numa estante
próxima do apóstolo que inventou o cálice para as vitórias.
Parece até que os teus punhos tinham uma dívida antiga
que querias saldar através do meu desfalecimento,
podias sempre escolher uma carpideira sem salários. O público
escolheu: já podia olhar através da praça
onde os heróis são cuidados com palavras que precisam
de ser repetidas. Olhaste para o soba e ele não te pediu
que usasses os joelhos para que pudesses voltar a dirigir
uma guerra. Ficaste zangado porque não tinhas como arrancar
o tapete do último assalto e colocá-lo
no coração do País depois de todos só poderem
usar três palavras para todas as necessidades
do coração.

11. Preciso de uma outra idade vivida por uma ideia
que saiba que desta árvore guardarei com lentidão
o movimento da folha que cai para fazer surgir
uma outra força e estação. A verdade dói menos
do que a velhice, mas todo o relato vem de uma derrota
que nos fez acreditar forçosamente que Deus escolhe
com atenção o dia mais
frágil para nos convencer que a nossa folha
é o que em cada instante já não podemos pegar com fascínio
e afinidades que valorizam os detalhes e espessura
da Sua arte.

[…]

Adriano Botelho de Vasconcelos
in Olímias
pag 56, 57, 58, 59
edição UEA, Luanda 2005

Adriano Botelho de Vasconcelos nasceu em Malange aos 8 de Setembro de 1955

Obras publicadas: “ Voz da Terra” ( 1974), “ Vidas de só revoltar” ( 1975), Células de ilusão Armada” ( 1983) , Anamnese ( 1984), “ Emoções” ( 1988), “ Abismos de silêncio” ( 1992),
“ Tábua” Grande premio Sonangol de Literatura ex -aequo ( 2003), “ Boneca de Pano: Colectânea do conto infantil angolano ( 2005), Caçadores de sonhos: antologia do conto angolano” (2005), “ Todos os sonhos: antologia da poesia moderna angolana” ( 2005), “ Olímias (2005), editou os jornais “ Unidade e luta” (1974), Angolê- Artes e Letras” ( 1984), “Maioria Falante” ( RJ) e concebeu o Webdesign do site da UEA ( União dos Escritores Angolanos)

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